quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Medicamento Genérico no Brasil

Falar de medicamentos genéricos no Brasil é muito mais complexo que nos EUA e na Europa, aqui somente 1/3 da população participa efetivamente do mercado farmacêutico, adquirindo os medicamentos de que necessita nas farmácias. Os outros 2/3 consomem esporadicamente, por conta de programas governamentais de distribuição gratuitas dos chamados medicamentos essenciais.

No mercado das farmácias existem cerca de 25.000 apresentações e 8.000 marcas de medicamentos para menos de 2000 fármacos. O mesmo fármaco ou associação de fármacos é vendido com muitos nomes comerciais. O analgésico e antitérmico paracetamol possui isoladamente 14 nomes comerciais que vão do Tylenol ao Dôrico, enquanto suas associações apresentam 42 nomes, alguns famosos pela propaganda televisiva, como Doril, ou outros nomes, como Guaraína.
Tal situação está longe de favorecer a quem não compra medicamentos como compra sabão, e compra (ou deveria comprar) o medicamento que lhe foi prescrito. Assim, essas pessoas são obrigadas a peregrinar por muitas farmácias em busca de uma determinada marca, enquanto diversos produtos idênticos estão disponíveis, com outros nomes.
Esta abundância de nomes comerciais cria facilidades para o erro na prescrição e uso de medicamentos. Supõe-se que a memória dos médicos tenha limites e que esta situação crie problemas de receituário. Além disso, no Brasil é possível comprar quase que todos os medicamentos sem receita médica, não obstante a legislação em contrário, o que eleva sobremaneira os riscos da medicação inadequada.
Diversas estimativas da Organização das Nações Unidas indicam que os medicamentos respondem por 40% a 50% dos dispêndios em saúde pública em muitos países em desenvolvimento. Tal fato, frente às condições extremamente precárias de saúde nos países do Terceiro Mundo, e à preocupação com o nível e o tipo de assistência farmacêutica conduzida, levou os meios ligados ao problema a levantar o conceito de medicamento essencial.
O conceito de essencialidade é bastante controvertido; contudo já existe consenso entre os médicos de que 250 a 300 fármacos são suficientes para tratar a grande maioria das enfermidades, podendo, assim, atender-se grande parte da população carente com um número relativamente restrito de medicamentos. A CEME define essa lista dos medicamentos essenciais- a chamada Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) – e coordena a produção e a distribuição desses medicamentos à população de baixa renda, dentro do Sistema único de Saúde (SUS)
Os problemas logísticos dessa enorme tarefa - fazer chegar medicamentos aos quase 5.000 municípios espalhados pelo território nacional – associados ao frequente uso político da estrutura da CEME, têm comprometido os programas governamentais de distribuição de medicamentos. Sem dúvida a solução não é simples e depende de uma política integrada para a indústria farmacêutica que combine os vários elementos interdependentes e leve em conta a hierarquia entre eles. Entre esses elementos destacam-se a denominação genérica e o conceito de essencialidade. Além disso, apesar de conceitualmente não haver forte ligação entre propriedade industrial (patente) e comercialização de produtos genéricos, a legislação relativa aos dois assuntos por razões óbvias deve ser trabalhada conjuntamente.

Bibliografia: Ciências Hoje Vol 15 nº 89

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Medicamento genérico no princípio

A ideia de que o mercado farmacêutico poderia ser ocupado em boa parte por produtos com patentes expiradas e que fossem comercializados pelo nome genérico vem desde o final dos anos 60. Contudo, só no início dos anos 80, quando já existia um número suficientemente grande de medicamentos com patentes vencidas que pudessem atender à maioria das enfermidades, é que foi retomada com chances de sucesso. 
Medicamentos genéricos
Os EUA foram o primeiro país a legislar sobre uma política de medicamentos genéricos. Em 1984, o Congresso Americano promulga o Drug Price and Patent Term Restoration Act, Public Law 98-417, conhecido como Waxman-Hatch Act. Esta lei cria as bases para o florescimento de uma indústria farmacêutica que comercializa seus produtos não mais pela denominação de marca, mas sim pelo nome genérico. Como compensação, a lei contempla a indústria inovadora com uma extensão do prazo das patentes, sempre que possa demonstrar que houve demora no processo de licenciamento de um novo medicamento. Em poucos anos, a estratégia baseada na indústria de medicamentos genéricos demonstrou ser a forma efetiva de combate ao monopólio.
Convém notar que não se implementa uma política de medicamentos genéricos simplesmente com uma lei que obrigue os fabricantes a colocar com igual destaque o nome genérico ao lado do nome de marca. É necessário legislar sobre vários aspectos do problema, que vão desde o credenciamento pela vigilância sanitária de laboratórios que estejam em condições de participar de uma política de genéricos, até o momento mais importante dessa estratégia, que vem a ser a obrigatoriedade da prescrição pelo nome genérico por parte dos médicos, sem isso, toda a legislação se transforma em mera figura de retórica.
Resumindo, podemos dizer que uma política de medicamentos genéricos se baseia, por um lado, na existência de empresas bem organizadas que produzam e comercializem medicamentos não com um nome de marca, mas sob a designação genérica- o que implica, portanto, numa competição por preço e qualidade – e, por outro, na obrigatoriedade de prescrição pela designação genérica. É evidente que, para essas empresas, o marketing tradicional não terá mais sentido a não ser a promoção do nome do laboratório como garantia de qualidade.
Os EUA, que adotaram uma política de medicamentos genéricos no ano de 1984, já em 1986 podiam observar resultados importantes com relação ao preço dos medicamentos. Outros países industrializados que adotaram políticas de medicamentos genéricos o fizeram no final da década de 1980; mas já em 1990 podiam sentir os primeiros resultados. O Canadá conseguiu em 1990 uma redução de preço nos medicamentos por conta dos genéricos que vai de 30% a 95%, chegando em alguns casos a 1.260%.
Nos EUA, em 1990, os genéricos foram responsáveis por 18% em valor e 35% em volume do mercado de medicamentos éticos; a expectativa de crescimento desse mercado é de 14% ao ano, devendo, portanto, chegar em 1995 a cerca de 25% do mercado em valor e de 50% em volume. Na Inglaterra, eles responderam em 1990 por 10% em valor e 30% em volume, em 1993 a participação deverá alcançar 50%. Na Alemanha, responderam em 1990 por 17% em valor e 22% em volume; em 1993 deverão responder por 35% do mercado. Na Dinamarca, 50% do mercado das farmácias é atendido por genéricos.


Bibliografia: Ciências Hoje vol. 15/nº 89

sábado, 17 de agosto de 2013

Oligopólio da Indústria farmacêutica é combatido por países socialistas

Um dos aspectos da história da indústria farmacêutica que tem sido pouco considerado foi a reação do bloco socialista ao surgimento desse oligopólio. Logo após a 2º Guerra Mundial, o Comecom (Conselho de Mútua Assistência Econômica) estabeleceu, como objetivo estratégico do bloco, o desenvolvimento de uma indústria farmacêutica inovadora, que pudesse vir a competir com as multinacionais já estabelecidas. Procurou-se o caminho da especialização entre os vários países, cabendo à Hungria liderar o desenvolvimento das sínteses químicas e à Bulgária os processos microbiológicos. No meio da década de 1960, era evidente que haviam perdido a corrida definitivamente, apesar dos esforços daqueles quase 20 anos. Embora tivesse sido possível vencer o primeiro turno da corrida espacial e de certa forma a corrida armamentista e resolver inúmeros problemas sociais, com relação ao complexo farmacêutico a derrota havia sido rotunda. Eram marginais os lançamentos de novas drogas que alcançavam sucesso comercial no Ocidente.

Embora o Estado socialista tivesse priorizado a indústria farmacêutica, mobilizando recursos da mesma ordem de grandeza daqueles investidos pelas multinacionais do setor, faltaram os outros ingredientes responsáveis pelo sucesso de uma droga, e principalmente as estratégias de marketing em torno do lançamento de um novo medicamento, através das quais se pode conquistar a classe médica.
A década de 1970 caracteriza-se pela busca nacional de medicamentos previamente determinados, isto é, os cientistas procuravam primeiro saber o que era necessário ser feito para então buscar um fármaco adequado. A estrela desse período foi Sir James Black que, trabalhando no ICI (Imperial Chemical Industrie) do Reino Unido, lançou o primeiro beta-bloqueador, o Propranolol, e depois, na SmithKline, o primeiro antagonista H2, o Tagamet. Este último é o melhor exemplo de desenvolvimento racional de um fármaco: sabendo que a úlcera gástrica é resultado da produção excessiva de ácido Clorídrico, provocado pela ação da Histamina nas paredes do estômago, Sir James procurou uma estrutura capaz de bloquear a ação da histamina. Depois de ter sintetizado mais de 700 compostos e quase ter levado a SmithKline à falência, Sir James chegou ao Tagamet, que hoje representa mais de 50% do faturamento dessa  empresa e faz com que ela figure na lista dos 20 maiores laboratórios.
Os anos 80 serão lembrados por aquela que foi talvez a mais bem sucedida campanha de marketing da indústria farmacêutica: o lançamento do Zantac, que fez com que a Glaxo inglesa saltasse da vigésima colocação para a segunda em apenas seis anos. O Zantac, nome de marca do fármaco Ranetidina, nada mais era do que um me-too do Tagamet. Em 1990 o Zantac respondeu por um faturamento de quase 3 bilhões de dólares, o que representou cerca de 60% do faturamento de toda a Glaxo.

Bibliografia: Revista Ciências Hoje vol 15/ nº89 – José Carlos Geroz – Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Anos de sucesso para a indústria farmacêutica.

Em 1958 P. Janssen sintetizou o Haloperidol um neuroléptico seis vezes mais forte que a Clorpromazina. Sete anos depois haviam sido sintetizados cerca de 15 derivados da Butirofenona.
Drágeas de Talidomida
A radical mudança da base tecnológica – sínteses químicas nos anos 30, antibióticos nos anos 40 – propiciou uma rápida e completa alteração do panorama internacional. O salto qualitativo que os produtos oriundos da nova tecnologia trouxeram é inquestionável. O advento dos antibióticos na Europa Ocidental reduziu os percentuais de morte por doença em níveis substanciais, por exemplo: pneumonia, de 31,1% para 7,1% e febre tifoide, de 20,4% para 0,6%. Os EUA experimentaram nas décadas de 1930,1940 e 1950, em função da revolução terapêutica, um aumento de dez anos de vida média provável. Estes dados demonstram que o acesso à tecnologia dos novos produtos seria absolutamente vital para quem pretendesse continuar no ramo.
A rentável exploração das inovações pela nova indústria proporcionou uma condição particular de crescimento empresarial, como bem descreve G. Giovanni: “O crescimento de tais empresas entra então num círculo vicioso: pesquisa e desenvolvimento de novos produtos – monopólio – lucro extraordinário – pesquisa e desenvolvimento de novos produtos etc.Tal movimento desembocaria naturalmente na concentração econômica e na oligopolização do mercado.”
De fato, já nos anos 50 essas empresas marcavam presença nas listas das revistas especializadas das empresas mais lucrativas. Essa década apresenta também o maior ritmo na descoberta de novos produtos, que chegam a mais de 90 inovações por ano. Artífice de seu próprio sucesso, pois, com exceção de alguns antibióticos, era a responsável pelo descobrimento da esmagadora maioria dos compostos que vendia a indústria farmacêutica, ao terminar a década de 1950, gozava de grande credibilidade, sobretudo perante os governos dos países industrializados. E o monopólio que exerciam essas empresas era tido como um ‘mal necessário’ para que a humanidade pudesse contar com novas drogas, capazes de curar antigos males.
Esta convivência pacifica estava, porém, com seus dias contados. Em 1961 vem à tona o desastre da Talidomida. O caso começara em meados da década anterior, quando um tranquilizante muito popular fora introduzido na prática médica para minorar as náuseas dos primeiros meses das gestantes. Alguns anos depois, contavam-se em mais de 12 mil as crianças deformadas, fora os natimortos, em virtude da droga.
O acidente com a Talidomida modificou radicalmente a atitude dos órgãos responsáveis pelo controle da indústria farmacêutica. O FDA americano (Food and Drug Administration) passa a exigir para o lançamento de uma droga inúmeros testes, a fim de evidenciar não só a segurança, mas também a sua eficácia em relação a outras já existentes, modificando radicalmente a postura anterior, que exigia apenas testes voluntários de segurança feitos pelas companhias farmacêuticas.
Desta forma, os custos de desenvolvimento de um novo produto, que até então giravam em torno de 20 milhões de dólares, passam para 100-150milhões de dólares, reduzindo ainda mais as chances para as eventuais novas empresas que pretendessem ingressar no seleto grupo das empresas inovadoras.
Naquele momento, cerca de 20 empresas transnacionais, todas elas localizadas na Europa Ocidental e nos EUA, eram responsáveis pelo suprimento de quase 50% do mercado de medicamentos, que já alcançava a cifra de 10 bilhões de dólares ( em valores da época) configurando o oligopólio em que se baseava o setor.

Bibliografia : Ciências Hoje vol 15/nº89- Abril 1993

sábado, 3 de agosto de 2013

História da Farmácia II

Antigo símbolo da Bayer
Em 1935, como resultado de um enorme esforço de pesquisa iniciado três anos antes com uma classe de compostos denominados sulfonamidas, a Bayer lança a Sulfanilamida, que viria a ser a cabeça da série de um grupo grande de antibacterianos e um padrão de metodologia para o screening (triagem) de novas drogas. A comunidade científica ficou entusiasmada com a descoberta das sulfas, porém o resultado mais importante decorreu da mobilização da indústria, que percebeu o potencial desta família de drogas, tendo em vista o grande mercado representado pelas infecções causadas por estreptococos (pneumonia, febre puerperal, meningite, septicemia etc.). Assim, com a metodologia de pesquisa estabelecida, as descobertas proliferam, dando origem a inúmeras famílias de compostos obtidos por síntese químicas.
Em 1940, H.W. Florey e E.Chain, de Oxford, divulgam os primeiros resultados obtidos com o uso da Penicilina em cobaias, confirmados no ano seguinte em seres humanos. Estava lançada a base de indústria de antibióticos que, nos dias de hoje, representa mais de 20% da produção mundial de medicamentos.
A guerra teve papel destacado no desenvolvimento tecnológico do setor farmacêutico, de um lado pela consolidada posição alemã nas inovações farmacêuticas, o que impunha ao resto do mundo a necessidade de dispor de sua própria produção; de outro, pela enorme demanda gerada pelo contingente de feridos e também pela necessidade de manter tropas em áreas sujeitas a moléstias tropicais. Apenas três anos depois dos primeiros resultados com o uso da penicilina em seres humanos, o consórcio entre governo e empresas norte-americanas já produzia esse fármaco em quantidade suficiente para atender à demanda militar, que não era pequena.
Em 1947, Charpentier preparou um dos mais importantes anti-histamínicos, a Prometazina. O mesmo pesquisador obteve sucessivamente outros derivados N-alquilaminoalquilicos da Fenotizina, entre os quais a Clorpromazina, em 1952, que se revelou muito interessante, vindo a constituir um dos mais importantes compostos sintetizados neste século. Sua versatilidade é extraordinária e, por sua ação depressora geral das células, foi chamada de ‘narcobiótico’. Milhares de trabalhos foram publicados sobre a Clorpromazina e suas atividade multiformes: antiemético hipotérmico, analgésico, hipotensor, adrenolítico, anti-histamínico etc.
Até o final da década de 1960, haviam sido sintetizadas dezenas de compostos semelhantes à Clorpromazina, que dela diferem ou pelo radical na posição ocupada pelo cloro, ou pela cadeia lateral. A bem da verdade essas famílias de compostos químicos mostram que as pesquisas originais das empresas transnacionais não são tão originais quanto  elas tentam fazer crer. Boa parte dos novos medicamentos é somente uma versão mais segura e/ou mais efetiva de um rpoduto-mãe (os chamados me-too)


Bibliografia: Revista Ciências Hoje vol 15/ nº89 – José Carlos Geroz – Companhia de Desenvolvimento Tecnológico (Codetec)