sábado, 8 de outubro de 2016

Do 606 ao 914 Ehrlich e Hata acham a cura da Sífilis

Certo cientista escreveu uma coisa fantástica: os tripanossomos eram primos duma diferente raça de micróbios – dos micróbios causadores da sífilis. “Se o meu 606 mata o tripanossomo”, ponderou Ehrlich, “talvez também mate o micróbio da sífilis”.
Ehrlic e Hata em Frankfort
Nesse momento crucial um novo assistente lhe veio de Tóquio – S. Hata. Ehrlich pôs-se a trata-lo como escravo, mas Hata não se queixava, não se descuidava nunca. E aquele prodigioso japonês era perito em lidar com micróbio da sífilis e em inocula-los em coelhos e macacos.
Logo que as gaiolas se enchiam destes animais, eram entregues a Hata. Hata ria-se para eles. Hata cuidava deles. Hata dava-lhes de comida, mas também os enchia de ulceras sifilíticas. Mas se Hata contaminava de sífilis também os curava com injeções de 606. Porque, por mias incrível que até o próprio Ehrlich parecesse o 606 curava a sífilis!
Curava-a em coelhos e macacos – mas no homem? Nos homens nas mulheres e nas crianças pesteadas pela sífilis, doença contra a qual ainda nada se puder fazer? Cura-los-ia o 606?
Antes de qualquer coisa, era preciso que Ehrlich se convencesse da segurança do 606, e isso tomou dois anos – dois anos em que até o incansável Hata iria tornar-se um pouco impaciente com os infindáveis testes em coelhos, macacos e ratos e mais ratos. No meio daquela febre, recebeu Ehrlich a noticia de que ganhara o premio Nobel – não pelo 606 que não havia anunciado ainda – mas pelos seus primeiros trabalhos sobre células sanguíneas e a teoria da imunização.
Mas, afinal, em setembro de 1909, determinou Ehrlich que a prova em seres humanos não podia ser adiada por mais tempo, e mandou o 606, cuidadosamente selado em recipientes próprios, a Conrad Alt em Uschtspringe, ao Prof. Hreiber em Magdeburg e a outros amigos de confiança em Praga e Saraievo. Também mandou a Julis Iverson em São Petersburgo para testes em febre relapsa, uma doença causada por um parente próximo do micróbio da sífilis.
“Experimente isso em seus doentes”, escreveu-lhe Ehrlich, “e comunique-me sem demora os resultados. Sobretudo os maus resultados. Mas de forma nenhuma fale nessas experiências a ninguém. Não quero levantar esperanças prematuras...”
Em abril de 1910 os primeiros resultados vieram, e os amigos de Ehrlich forçaram-no, bastante a contra gosto, a fazer esta declaração perante o Congresso de Medicina em Wiesbaden – e imediatamente o mundo se voltou para o magico de Frankfort. Poucas pessoas haviam dado atenção aos anteriores estudos sobre colorantes e células do sangue e as desnorteantes teorias de Ehrlich; mas lá estava um homem que havia curado a sífilis, essa velha e horrorosa doença.
Vinham doentes implorar a cura. De todos os pontos do mundo chegavam cartas pedindo socorro e conselho, ou pedindo emprego e dinheiro, ou indagando se flores de batata curavam o cancro, ou pedindo autografo, ou apresentando congratulações e votos de felicidade. Grandes figurões também apareciam, e médicos famosos, e cientistas, e personalidades oficiais, e a todos Ehrlich atendia, sempre polido e serviçal.
Ehrlich procurava explicar tudo, fazer toda gente feliz, na mais completa ignorância do mundo que o rodeava e da inutilidade das explicações. E mesmo quando de seu laboratório saiu o 914, ou “neosalvarsan”, ainda melhor e mais seguro que o 606 no ataque a sífilis, muita gente ainda continuou insatisfeita.
Paul Ehrlich morreu em 1915, e com ele desapareceu o mais pitoresco e valente de todos os caçadores de micróbios. No fim, pálido e anêmico, terrivelmente cansado, ainda se inquietavam num ponto: a sua tarefa não estava terminada.
- Ah, se eu dispusesse de um bocadinho mais de vida... Há tanta coisa a fazer ainda...

Bibliografia: Mágica em Garrafas, A história dos Grandes Medicamentos – Milton Silverman – tradução de Monteiro Lobato – Cia Editora Nacional 1943

Nenhum comentário:

Postar um comentário